A voz do Homem, do professor, e também vice-presidente do Centro Social Paroquial do Paião – Doutor Eurico Silva em entrevista!
(Entrevista
de Carlos Gamito)
Carlos
Eurico Ferreira da Silva, assim se chama a distinta figura que,
dentro do seu tempo, disponibilizou tempo para trazermos à estampa
as substantivas motivações que nortearam a meritória vida do
docente que nesta documentativa entrevista despiu o fato de professor
e falou o Homem.
Em
discurso directo deixamos a resposta do nosso entrevistado à
primeira pergunta que formulámos: quem é o Eurico Silva?
Com
o seu característico olhar transparente, Eurico Silva abraçou o
vazio da sala e, pausadamente, fez soar a sua voz: «Sou um paionense
de oitenta e três anos nascido e criado na Rua Dr. Teixeira Dias, na
vila do Paião, município da Figueira da Foz». E continuou: «Com
orgulho, afirmo que sou filho de um profissional de alfaiataria.
Cresci e estudei a pulso, mas sempre com o apoio e acompanhamento
incomensuráveis dos meus pais. Hoje e atingido que está o ocaso da
vida, limito-me a ser um comum cidadão, reformado, que gosta de,
através da escrita, contar histórias e recordar o passado.
Actualmente estou a escrever sobre os meus conterrâneos que estão
bem presentes nas memórias do percurso da minha vida.» Sem ser
interrompido, Eurico Silva, sempre com o olhar colado às imagens que
o tempo não apagou, prosseguiu: «Sinto-me orgulhoso por ter
nascido, crescido e vivido na então povoação de Paião, elevada à
categoria de vila no ano de 1989.»
A
título de curiosidade, anotámos que no ano de 1975, na então
aldeia do Paião, estavam estabelecidas vinte e cinco a trinta
distintas alfaiatarias que empregavam entre cento e cinquenta a
duzentos profissionais da arte que encerra a alfaiataria.
O
PERCURSO ACADÉMICO
Eurico
Silva cursou a Escola do Magistério Primário e mais tarde
licenciou-se em Filosofia.
Ante
este tão rico e diferenciado percurso académico, suscitou-nos
instar o nosso interlocutor se sempre sentiu propensão para a
docência. A resposta foi imediata e documentativa: «Não, nunca
tinha imaginado abraçar a carreira do ensino, mas como a vida
esconde situações nem sempre imaginadas, num determinado dia, o meu
irmão que tinha mais oito anos que eu, disse-me: “Eurico, vais
para professor. Ficas com um emprego garantido, e depois fazes o que
entenderes”, e foi assim que tudo aconteceu. Primeiro cursei a
Escola do Magistério Primário, depois cumpri o serviço militar
obrigatório, fui mobilizado para a Guiné, e no regresso à então
denominada Metrópole, aos vinte e cinco anos recomecei os estudos e
licenciei-me em Filosofia.»
De
acordo com a afirmação de Eurico Silva, nunca tinha feito parte dos
seus planos de vida ingressar na carreira do ensino, mas as palavras
do irmão “vais para professor, ficas com um emprego garantido e
depois fazes o que entenderes”, ficaram a ecoar na cabeça do então
jovem Eurico Silva.
Começou
a dar aulas, começou a gostar e ainda hoje se sente professor.
“A
ENSINAR TAMBÉM SE APRENDE”
É
comum dizer-se que a “ensinar também se aprende”, e sobre este
verdadeiro aforismo disse-nos Eurico Silva: «Corroboro inteiramente
com o conteúdo dessa frase.» E explicou: «Aprendi muito e descobri
imenso nas várias áreas que leccionei, principalmente em Português
e História. Tinha de investigar e procurar saber para poder
ensinar.» E sublinhou: «O diploma de licenciatura é um documento
que nos permite reiniciar a disponibilidade intelectual.»
Ainda
no âmbito do ensino, o nosso interlocutor informou-nos que foi
professor do ensino básico; professor do ciclo preparatório;
professor da telescola no polo criado na então ainda aldeia de
Paião; colaborou na fundação do Jardim de Infância do Paião;
participou na promoção do Mosteiro de Seiça, e, em Macau, onde
esteve oito anos, foi professor para adultos estrangeiros, tendo sido
esta, segundo Eurico Silva, uma experiência riquíssima e que o
catapultou para a escrita.
Mas
que relação existe entre dar aulas a estrangeiros e a estimulação
para a escrita? Perguntámos nós. Eis a resposta do professor:
«Porque não existiam textos, fui obrigado a escrever, e fruto dessa
obrigatoriedade nasceu em mim um acentuado gosto pela escrita e,
quando regressei a Portugal, dediquei-me apaixonadamente à criação
de textos e já tenho vários livros publicados.»
VICE-PRESIDENTE
DO CENTRO SOCIAL PAROQUIAL DO PAIÃO
Para
trás ficou um “retrato tipo passe” do professor que ainda se
sente professor. Voltámos a página e entrámos num novo capítulo.
Vamos
ouvir:
«Desde
2014 que ocupo o cargo de Vice-presidente do Centro Social Paroquial
do Paião, no entanto gosto mais de lhe chamar Lar. Não gosto de
nomes pomposos quando se trata de situações humanas. O equipamento
foi fundado pelo pároco do Paião, que à época era o padre António
de Sousa, devidamente coadjuvado por vários paionenses. A
instituição nasceu como Centro Dia e, mais tarde, com obras de
ampliação e adaptação, foi transformado em Lar.»
AS
PESSOAS DEVEM SER TRATADAS COMO PESSOAS E NÃO COMO “COISAS”
Atendendo
a que Eurico Silva ocupa o cargo de vice-presidente numa residência
destinada a pessoas idosas, instámo-lo se sempre conheceu em si o
espírito altruísta a que obedece a função que ocupa no Centro
Social Paroquial do Paião. Sem escolher as palavras foi peremptório
a responder: «Permita que reformule a sua pergunta e eu respondo a
afirmar que tenho uma acentuada vocação para comunicar, e com isto
quero dizer-lhe que nutro muita ternura por crianças e por idosos, o
que me leva a ter imenso prazer em conversar com este núcleo de
pessoas. Gosto de contactar, de estimular a vida, e acredito que este
sentimento se enquadre com o cumprimento de colocar a render as
capacidades evangélicas que nos são oferecidas, e o Lar é um dos
locais ideais para dar voz a essas capacidades.» E fez questão de
frisar: «As pessoas precisam de contacto humano. Basta gostar das
pessoas para conversar com elas. Não é necessário ser especialista
(as Assistentes Sociais que me perdoem) para conversar com quem
reside nestas instituições.» E avançou: «Não é necessário,
por exemplo, tirar um curso para sermos pais, mas defendo a
importância de ter uma especialização para saber contactar com
quem a vida atirou para situações de gritantes vulnerabilidades».
A
conversa ia fluindo prazenteiramente, os ponteiros do relógio não
cessavam os seus movimentos e nós começámos a ficar preocupados
com a densidade desta peça, o que nos obrigou a mutilar
o texto e caminhar a passos largos para o fim da cavaqueira
aqui
em formato de entrevista. Muito ficou por escrever, mas há duas
informações, ainda que breves, que não podem deixar de ser
publicadas.
Eis:
a lotação para internamento no Centro Social Paroquial do Paião
está limitada a cinquenta residentes, e são servidas trinta
refeições ao domicílio, onde estão incluídos trabalhos
domésticos, como limpeza da casa, lavagem de roupa e outras tarefas
similares.
Chegados
ao fim, deixámos o gravador ao dispor de Eurico Silva para deixar
uma mensagem aos paionenses em geral e aos residentes do Lar em
particular, considerando as respectivas famílias.
«A
mensagem que me apraz deixar é um “grito”, aqui silencioso, que
as pessoas que estão nos Lares não são menos pessoas pelo facto de
já terem uma idade avançada. São pessoas que ainda querem viver e
que têm todo o direito à vida. Faço notar que são pessoas, não
são “coisas”, e todas as pessoas devem ser tratadas com carinho,
com civismo e com o máximo respeito.»
(Foto de Sónia Varela)