10/01/25

A voz do Homem, do professor, e também vice-presidente do Centro Social Paroquial do Paião – Doutor Eurico Silva em entrevista!

(Entrevista de Carlos Gamito)

 

Carlos Eurico Ferreira da Silva, assim se chama a distinta figura que, dentro do seu tempo, disponibilizou tempo para trazermos à estampa as substantivas motivações que nortearam a meritória vida do docente que nesta documentativa entrevista despiu o fato de professor e falou o Homem.

Em discurso directo deixamos a resposta do nosso entrevistado à primeira pergunta que formulámos: quem é o Eurico Silva?

Com o seu característico olhar transparente, Eurico Silva abraçou o vazio da sala e, pausadamente, fez soar a sua voz: «Sou um paionense de oitenta e três anos nascido e criado na Rua Dr. Teixeira Dias, na vila do Paião, município da Figueira da Foz». E continuou: «Com orgulho, afirmo que sou filho de um profissional de alfaiataria. Cresci e estudei a pulso, mas sempre com o apoio e acompanhamento incomensuráveis dos meus pais. Hoje e atingido que está o ocaso da vida, limito-me a ser um comum cidadão, reformado, que gosta de, através da escrita, contar histórias e recordar o passado. Actualmente estou a escrever sobre os meus conterrâneos que estão bem presentes nas memórias do percurso da minha vida.» Sem ser interrompido, Eurico Silva, sempre com o olhar colado às imagens que o tempo não apagou, prosseguiu: «Sinto-me orgulhoso por ter nascido, crescido e vivido na então povoação de Paião, elevada à categoria de vila no ano de 1989.»

A título de curiosidade, anotámos que no ano de 1975, na então aldeia do Paião, estavam estabelecidas vinte e cinco a trinta distintas alfaiatarias que empregavam entre cento e cinquenta a duzentos profissionais da arte que encerra a alfaiataria.

 

O PERCURSO ACADÉMICO

 

Eurico Silva cursou a Escola do Magistério Primário e mais tarde licenciou-se em Filosofia.

Ante este tão rico e diferenciado percurso académico, suscitou-nos instar o nosso interlocutor se sempre sentiu propensão para a docência. A resposta foi imediata e documentativa: «Não, nunca tinha imaginado abraçar a carreira do ensino, mas como a vida esconde situações nem sempre imaginadas, num determinado dia, o meu irmão que tinha mais oito anos que eu, disse-me: “Eurico, vais para professor. Ficas com um emprego garantido, e depois fazes o que entenderes”, e foi assim que tudo aconteceu. Primeiro cursei a Escola do Magistério Primário, depois cumpri o serviço militar obrigatório, fui mobilizado para a Guiné, e no regresso à então denominada Metrópole, aos vinte e cinco anos recomecei os estudos e licenciei-me em Filosofia.»

De acordo com a afirmação de Eurico Silva, nunca tinha feito parte dos seus planos de vida ingressar na carreira do ensino, mas as palavras do irmão “vais para professor, ficas com um emprego garantido e depois fazes o que entenderes”, ficaram a ecoar na cabeça do então jovem Eurico Silva.

Começou a dar aulas, começou a gostar e ainda hoje se sente professor.

 

“A ENSINAR TAMBÉM SE APRENDE”

 

É comum dizer-se que a “ensinar também se aprende”, e sobre este verdadeiro aforismo disse-nos Eurico Silva: «Corroboro inteiramente com o conteúdo dessa frase.» E explicou: «Aprendi muito e descobri imenso nas várias áreas que leccionei, principalmente em Português e História. Tinha de investigar e procurar saber para poder ensinar.» E sublinhou: «O diploma de licenciatura é um documento que nos permite reiniciar a disponibilidade intelectual.»

Ainda no âmbito do ensino, o nosso interlocutor informou-nos que foi professor do ensino básico; professor do ciclo preparatório; professor da telescola no polo criado na então ainda aldeia de Paião; colaborou na fundação do Jardim de Infância do Paião; participou na promoção do Mosteiro de Seiça, e, em Macau, onde esteve oito anos, foi professor para adultos estrangeiros, tendo sido esta, segundo Eurico Silva, uma experiência riquíssima e que o catapultou para a escrita.

Mas que relação existe entre dar aulas a estrangeiros e a estimulação para a escrita? Perguntámos nós. Eis a resposta do professor: «Porque não existiam textos, fui obrigado a escrever, e fruto dessa obrigatoriedade nasceu em mim um acentuado gosto pela escrita e, quando regressei a Portugal, dediquei-me apaixonadamente à criação de textos e já tenho vários livros publicados.»

 

VICE-PRESIDENTE DO CENTRO SOCIAL PAROQUIAL DO PAIÃO

 

Para trás ficou um “retrato tipo passe” do professor que ainda se sente professor. Voltámos a página e entrámos num novo capítulo.

Vamos ouvir:

«Desde 2014 que ocupo o cargo de Vice-presidente do Centro Social Paroquial do Paião, no entanto gosto mais de lhe chamar Lar. Não gosto de nomes pomposos quando se trata de situações humanas. O equipamento foi fundado pelo pároco do Paião, que à época era o padre António de Sousa, devidamente coadjuvado por vários paionenses. A instituição nasceu como Centro Dia e, mais tarde, com obras de ampliação e adaptação, foi transformado em Lar.»

 

AS PESSOAS DEVEM SER TRATADAS COMO PESSOAS E NÃO COMO “COISAS”

 

Atendendo a que Eurico Silva ocupa o  cargo de vice-presidente numa residência destinada a pessoas idosas, instámo-lo se sempre conheceu em si o espírito altruísta a que obedece a função que ocupa no Centro Social Paroquial do Paião. Sem escolher as palavras foi peremptório a responder: «Permita que reformule a sua pergunta e eu respondo a afirmar que tenho uma acentuada vocação para comunicar, e com isto quero dizer-lhe que nutro muita ternura por crianças e por idosos, o que me leva a ter imenso prazer em conversar com este núcleo de pessoas. Gosto de contactar, de estimular a vida, e acredito que este sentimento se enquadre com o cumprimento de colocar a render as capacidades evangélicas que nos são oferecidas, e o Lar é um dos locais ideais para dar voz a essas capacidades.» E fez questão de frisar: «As pessoas precisam de contacto humano. Basta gostar das pessoas para conversar com elas. Não é necessário ser especialista (as Assistentes Sociais que me perdoem) para conversar com quem reside nestas instituições.» E avançou: «Não é necessário, por exemplo, tirar um curso para sermos pais, mas defendo a importância de ter uma especialização para saber contactar com quem a vida atirou para situações de gritantes vulnerabilidades».

A conversa ia fluindo prazenteiramente, os ponteiros do relógio não cessavam os seus movimentos e nós começámos a ficar preocupados com a densidade desta peça, o que nos obrigou a mutilar o texto e caminhar a passos largos para o fim da cavaqueira aqui em formato de entrevista. Muito ficou por escrever, mas há duas informações, ainda que breves, que não podem deixar de ser publicadas.

Eis: a lotação para internamento no Centro Social Paroquial do Paião está limitada a cinquenta residentes, e são servidas trinta refeições ao domicílio, onde estão incluídos trabalhos domésticos, como limpeza da casa, lavagem de roupa e outras tarefas similares.

Chegados ao fim, deixámos o gravador ao dispor de Eurico Silva para deixar uma mensagem aos paionenses em geral e aos residentes do Lar em particular, considerando as respectivas famílias.

«A mensagem que me apraz deixar é um “grito”, aqui silencioso, que as pessoas que estão nos Lares não são menos pessoas pelo facto de já terem uma idade avançada. São pessoas que ainda querem viver e que têm todo o direito à vida. Faço notar que são pessoas, não são “coisas”, e todas as pessoas devem ser tratadas com carinho, com civismo e com o máximo respeito.»

(Foto de Sónia Varela)