"A propósito do Festival das Filarmónicas cuja final ocorreu no passado dia 1 do corrente no CAE (F.Foz), despertou-me o interesse em ver e ouvir as finalistas e tirar algumas notas para análise e reflexão sobre o aspecto evolutivo das nossas Bandas de Música. Nesse dia, e para não perder nenhum pormenor, antes do directo da RTP1, já estava sentado em frente ao ecrã com a escrevaninha montada!
Através do regulamento que estava em minha posse, tinha conhecimento de que o júri, para analisar as Bandas nas diversas fases, eram os excelentes pianistas Olga Prates e António Victorino de Almeida, cuja mestria com as mãos em cima das teclas, a ninguém suscita dúvidas, mas para a selecção, análise e avaliação para que foram nomeados, seguramente não eram as pessoas indicadas para o efeito, mas, quando vi o simpático locutor Júlio Isidro também a pertencer a esse clã, então ainda fiquei mais admirado. Como ele muito bem proferiu, podiam-lhe colocar uma lista telefónica à frente, que para ele seria igual a uma partitura!...e realmente os pianistas e o locutor, lá estavam sentados, para decidir os meses de dedicação, esforço e trabalho das centenas de músicos que participaram nas diversas fases que ocorreram, sem provavelmente, terem olhado para as partituras!
Maestro Francisco M. Relva Pereira |
As finalistas que estiveram em palco, honraram a música e enalteceram o trabalho que se vai fazendo ao longo dos tempos nestas colectividades e portanto estão todas de parabéns, mas, como todos tivemos oportunidade de ver e ouvir, notaram-se bastantes diferenças! Richard Wagner, figura fundamental da história a músicas do século XIX, deixou-nos na sua “obra de arte total” a chancela que abrange além dos músicos, também os filósofos, artistas plásticos e outros. Nela, lançou os dados para a interacção entre a música e o teatro bem como as adaptações que se deviam fazer no futuro, para atrair novos públicos e novas sonoridades de forma a obter belas performances.
Neste contexto e nesta final, assistimos a óptimas interpretações da peça obrigatória do compositor Jorge Salgueiro, na qual sobressaíram os solos e em alguns casos sem falhas dos solistas…mas como se pode ver através da RTP1, a Banda da Sociedade Filarmónica Vestiariense Monsenhor José Cacella (Alcobaça), não esteve nos seus melhores dias e as falhas ocorreram na peça obrigatória! Além deste importante aspecto, o prólogo inicial foi efectuado por um músico da Banda que apenas se levantou do seu lugar, limitando-se a ler o prólogo, constituindo um factor diferenciador pela negativa, comparativamente com as efectuadas pela Banda Velha União Sanjoanense (Albergaria-a-Velha) e Banda Filarmónica de Covões (Cantanhede), as quais, apesar de diferentes, foram ambas bastante apelativas e sui generis.
Além destes aspectos que à priori deveriam fazer a diferença em termos classificativos, o Jorge Gabriel (3m58s), apresentador de serviço nesse festival diz, «cada Banda irá tocar 2 obras de autores portugueses à sua escolha». De facto, a Sanjoanense executou uma bela obra de Carlos Marques intitulada Lusitanidades, e a de Covões executou a Batalha de Linhas de Elvas, uma belíssima obra de Rui Lúcio. Saliente-se que as obras que estas duas Bandas tocaram são bastante recentes (cerca de dois ou três anos), contrastando com a executada pela Banda Vestiariense a qual foi executada em 1985 em Sarasota-Flórida! Foi escrita pelo compositor americano Alfred Reed e tem por título El Camino Real. Será que o júri se preocupou com este aspecto, ou, investigou acerca desta matéria, a qual também seria motivo de análise?
Para além das diferenças existentes nas composições musicais que cada Banda tocou, a Sanjoanense apresentou-nos na sua obra uma retratação festiva onde não faltaram à festa os gaiteiros e os gigantones, a qual foi coincidente com o que estava escrito nessa obra musical. A de Covões, levou-nos a assistir à batalha de Elvas, onde o narrador retratou os meandros da mesma. Assistimos a uma excelente prestação teatralizada com personagens envergando os seus trajes e armas nesse teatro de operações, coincidente com os que musicalmente se ia ouvindo. A Vestiariense limitou-se a oferecer-nos o tema americano do século passado e mais nada, mas ganhou o 1º lugar!
Recordo ainda, para os mais distraídos, que o arranjo da Marcha do Vapor que foi apresentado no final do espectáculo, não é aquele que é Hino oficial da Figueira da Foz, o qual está registado em acta nesse Município… mas, foi só mais uma pedrada no charco!
Sem querer entrar em polémicas, pretende-se apenas tecer algumas críticas que acho pertinentes para o futuro.
Lembro que uma das finalidades que a organização propunha era, «estimular, dinamizar e qualificar todos os seus executantes». Com todos os cenários já descritos, penso que esteve longe de se atingirem os objectivos a que organização se propôs.
Parabenizo todos os maestros, músicos, directores amigos e simpatizantes das Bandas que concorreram a este concurso, e, em especial, às finalistas, as quais conseguiram transmitir através da TV para todos os continentes, a evolução artística das Bandas civis do nosso País.
Finalmente, com o descritivo apresentado, o leitor tirará as suas conclusões e a organização deve meditar em todos os itens já apresentados, os quais, poderão ter sido motivo mais que suficiente para terem sido cometidas algumas injustiças."
Francisco M. Relva Pereira – Compositor e Mestre em Direcção de Orquestra de Sopros