O patusco PAULINO
= Histórias verdadeiras =
por António Flórido
Chamava-se João Paulino, natural de Buarcos. Faleceu com setenta e tal anos em meados da última década do século passado.
Seus companheiros permanentes: Deus em primeiro lugar… e depois os seus três gatos. Aspecto bonacheirão, uma ironia permanente e de desconcertante palavra pronta. Uma patusca figura típica da Figueira da Foz. De histórias mil…
(Publicado pelo autor, pela primeira vez, no jornal “A Voz da Figueira”, em 1983 - Versão atualizada em março de 2017 retificada pelo recente Acordo Ortográfico)
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“-Oh meu Deus!”
Era a frase-tipo do Paulino. Pode-se dizer que não iniciava uma conversa sem lançar primeiro estas duas palavras. Que ele reverenciava acima de tudo, dizendo a todos, abertamente, que amava Deus.
"-Quem me faz companhia todo o dia? É Deus. Deus, e o ‘Limão’, a ‘Triana’ e o ‘Tareco’, que são os meus três gatos!"
“-Olha o Sr. Doutor!... Oh meu Deus! Está todo engravatado! Até parece que saiu agora da montra!...”
Uma das particularidades que bem o caracterizava era a sua oportunidade de lançar as frases, irónicas e exatas, no momento ideal, quase sem as pensar e de uma piada extrema.
Vivia pobremente, alimentando-se aqui e além dentro das suas posses ou da disponibilidade de quem solicitava. Quanto à bebida… bom, pode-se dizer que bebia bem sem nunca parecer demasiadamente embriagado. Aliás, a sua fluência verbal crescia com uma boa pinga!
Alegremente desengonçado, olhava as pessoas com uma sobranceria elegante mas educada. Tinha, digamos, uma despretensiosa maneira de encarar o semelhante sem nunca faltar ao respeito e mantendo o ‘fair-play’.
Nasceu – segundo afirmava – na esquina da Raposeira, em Buarcos, local que já mudou de nome. No início dos anos oitenta vivia num pobre casebre ‘encravado’ entre prédios ali para os lados do Palácio Sotto Mayor. Quando lhe perguntavam onde morava, respondia convictamente: “-…no Sotto Mayor!”. E, ao mesmo tempo, fungava e passava a mão pelo nariz, ‘cheio de opinião!’
E chega-se à conclusão que – dentro do seu conceito de vida – era um homem feliz. Se lhe perguntassem isso mesmo… bom, não percebia bem a pergunta, mas era rápido na resposta: “-Claro, vivo com Deus, o ‘Limão’, a ‘Triana’ e o ‘Tareco’… mas primeiro com Deus!”
E nada havia a contrapor.
Calendário um
Um dos calendários do Paulino era o seu cinto. Se alguém se interrogava em que mês estava… “-Oh Sr. Doutor, ora deixa-me cá olhar o cinto!...”
E dava-lhe um aperto. Se o cinto corria muitos buracos, é porque tinha pouca barriga, portanto estava-se em janeiro. Mas se quase não apertava à volta da cintura, era ‘pança cheia', portanto era agosto, mês de uma maior fartura.
Calendário dois
Praticamente nunca sabia às quanto andava. Muito menos o mês corrente. Ora os seus sapatos eram outro indicativo do tempo.
Afirmava, então, que de verão calçava 39, biqueira larga, castanhos e com cordões.
-“De inverno!? Oh meu Deus! Qualquer um serve! Sapatilhas, de borracha, de cabedal, qualquer número e de qualquer feitio… menos sandálias por causa das correntes-de-ar!...”
Sentido proibido
Esta é uma das suas histórias mais conhecidas.
Era típico vermos o Paulino montado na sua bicicleta em qualquer ponto da nossa cidade, dirigindo e recebendo cumprimentos. E claro está que os sinais de trânsito eram ‘chinês’ para ele.
Assim, houve um dia em que um polícia (daqueles novatos, vindos de Coimbra no Verão para reforçar PSP local, e que, portanto, não conhecia a fundo a Figueira da Foz, muito menos o Paulino) o apanhou a pedalar em pleno Bairro Novo, o que era proibido pelos "piços" que na altura era costume serem colocados nos inícios da rua Bernardo Lopes, e que o nosso homem tinha ultrapassado a pedalar, como era habitual.
“-Alto!” – bradou o polícia – “-Então o sr. não sabe que é proibido circular por aqui?”
“-Olha o sr. polícia! Oh meu Deus, mas que linda farda! Até parece que foi agora engomada…
Juntaram-se logo vários ‘mirones’ a apreciar a cena.
“-Identifique-se!”
“-Quem, eu!? Então, oh sr. guarda, eu sou o Paulino…”
"-...mau! Eu não quero saber como você se chama..."
"-Não quer!? Então ainda agora me perguntou!..."
“-Meu amigo” – volveu o polícia, já enfadado e a ficar desnorteado –“-eu quero é ver o seu bilhete de identidade…”
“-Oh meu Deus!” – replicou o Paulino, fungando e coçando o nariz – “-Só tenho aqui um bilhete mas é do Farreca… e se a gente for ali beber um copo!?”
Os ‘mirones’ já eram às dezenas.
O guarda já desconfiava que qualquer coisa não estava bem, pois notava o desprendimento do Paulino e o sorriso irónico das pessoas à sua volta. Vai de puxar do ‘canhenho’ das multas e bradar, apologeticamente, para o nosso artista:
“-Você está multado!”
“-Eu, sr. guarda?! Oh meu Deus!... e de quanto é a multa?”
“-Seiscentos escudos!” – disse o agente secamente.
“-Seiscentos escudos!!?... oh sr. guarda… tome lá a bicicleta e dê cá o troco!!"
O ‘Pilante’
Antes de ter os seus três queridos gatos, ‘o Limão’, a ‘Triana’ e o ‘Tareco’, o seu grande amigo e companheiro foi um cão, animal que, segundo rezam os que conheceram os factos, não só era para ele uma verdadeira ‘pessoa’ como, inclusive, lhe salvou a vida.
Foi assim:
Alegremente seguia o Paulino a pedalar. O seu destino era a lota do peixe, na altura em frente à estação da C.P. onde se iria abastecer, não só para consumo próprio como também para revender alguns quilos de pescado. Nunca despendia muito pela aquisição de alguns cabazes pois os pescadores, conhecendo-o, obsequiavam-no fartamente.
Era madrugada, aí umas quatro ou cinco da manhã. Pedalava devagar. O seu cão, o ‘Pilante’, seguia-o e à bicicleta.
Passaram pelo jardim e entraram na avenida (e aqui é preciso imaginar como era aquela avenida antigamente: o rio chegava com razoável caudal mesmo ali junto à estrada em frente do mercado. Ao lado ficava a piscina do Araújo) e depois, ao invés do nosso homem virar à esquerda em direção à estação, ops... não senhor! Seguiu em frente despenhando-se para o rio… e o fim estava à vista já que o seu estado – como já o dissemos – era constantemente de uma alegria ‘avinhada’!
Mas quatro ‘sortes’ beneficiaram o Paulino neste acidente que lhe podia ter sido fatal: A primeira foi que a maré não estava muito alta, senão morria afogado; A segunda foi que a maré não estava muito baixa, senão morria da queda ao embater nas pedras, e assim a pouca altura das águas do Mondego amorteceu-lhe a queda; Terceira, o seu cão ‘Pilante’ começou, cá em cima, a uivar e a ladrar que se desunhava; Quarta, talvez a mais providencial, foi a de um automobilista (funcionário do Casino) que ia a passar no local se ter intrigado com a aflição do canídeo. Aproximou-se e apercebeu-se da situação, dando o alerta para outros automobilistas que iam a passar. Recorde-se que na altura não haviam telemóveis. A visibilidade era fraca mas dava para ver um homem lá no fundo que, olhando para cima e vendo tantas pessoas terrificadas a olhar para ele, bradou:
“-Oh meu Deus! Para o que me havia de dar! Tomar banho a esta hora! Onde estará o raio da bicicleta!? E o cão? ‘Pilante’… hó ‘Pilante!!...” Depois olhou para cima e disse para os 'mirones': “-Não venham cá abaixo! A água está muito fria!... Oh meu Deus!”
Conseguiram retirá-lo do rio e, mesmo antes da chegada dos socorros, o automobilista levou-o ao hospital. Fiel testemunha do que se passou, disse que foi, efectivamente, o cão que o ‘chamou’, uivando longamente. E que já no hospital verificaram que tinha um braço partido, duas ou três costelas deslocadas e zonas ensanguentadas por todo o corpo. Ainda assim – conta a nossa testemunha – mesmo na adversidade, e quando o médico lhe observou que, naquela queda, tinha tido muita sorte – o Paulino retorquiu: “-Oh meu Deus! A minha sorte foi ter aberto o para-quedas a tempo!!”
O carro-de-mão
Num sábado de agosto, pela hora do jantar, passa o Paulino pela ‘Caravela’ com um usado e ferrugento carro-de-mão carregado de estrume. Fala com um: “-Olha o Sr. Engenheiro! Parece que está chateado! Mude de praia!”. E fala com outro: “-Olha o sr. doutor! – e aponta para o adubo – E então não vai um aperitivo!?”
E continua o seu caminho com uma desfaçatez impressionante. Atravessa os três ‘piços’ (outra vez!...) que impediam naquele tempo o trânsito no Bairro Novo e começa a atravessar, nas calmas, a estrada em frente ao Grande Casino Peninsular. Um polícia interpela-o: “-Oiça lá, não sabe que não se pode atravessar aqui com carripanas dessas? Ainda por cima com estrume!?...”
“-Oh Sr. guarda! Oh meu Deus! Não me diga que agora me vai multar por excesso de velocidade!...”
O coxo
Numa das suas habituais deambulações pelo Bairro Novo deu de caras, um dia, com um coxo. Coxeava pelo passeio do ‘Casino Oceano’. Chocado pela visível enfermidade do visado, decidiu aconselhá-lo:
“-Oh meu Deus!” – fungou e passou, atrapalhado, a mão várias vezes pelo nariz – “-Olhe que você não coxeava tanto se andasse com o pé mais curto em cima do passeio e o outro na valeta!...”
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Antes de ter os seus três queridos gatos, ‘o Limão’, a ‘Triana’ e o ‘Tareco’, o seu grande amigo e companheiro foi um cão, animal que, segundo rezam os que conheceram os factos, não só era para ele uma verdadeira ‘pessoa’ como, inclusive, lhe salvou a vida.
Foi assim:
Alegremente seguia o Paulino a pedalar. O seu destino era a lota do peixe, na altura em frente à estação da C.P. onde se iria abastecer, não só para consumo próprio como também para revender alguns quilos de pescado. Nunca despendia muito pela aquisição de alguns cabazes pois os pescadores, conhecendo-o, obsequiavam-no fartamente.
Era madrugada, aí umas quatro ou cinco da manhã. Pedalava devagar. O seu cão, o ‘Pilante’, seguia-o e à bicicleta.
Passaram pelo jardim e entraram na avenida (e aqui é preciso imaginar como era aquela avenida antigamente: o rio chegava com razoável caudal mesmo ali junto à estrada em frente do mercado. Ao lado ficava a piscina do Araújo) e depois, ao invés do nosso homem virar à esquerda em direção à estação, ops... não senhor! Seguiu em frente despenhando-se para o rio… e o fim estava à vista já que o seu estado – como já o dissemos – era constantemente de uma alegria ‘avinhada’!
Mas quatro ‘sortes’ beneficiaram o Paulino neste acidente que lhe podia ter sido fatal: A primeira foi que a maré não estava muito alta, senão morria afogado; A segunda foi que a maré não estava muito baixa, senão morria da queda ao embater nas pedras, e assim a pouca altura das águas do Mondego amorteceu-lhe a queda; Terceira, o seu cão ‘Pilante’ começou, cá em cima, a uivar e a ladrar que se desunhava; Quarta, talvez a mais providencial, foi a de um automobilista (funcionário do Casino) que ia a passar no local se ter intrigado com a aflição do canídeo. Aproximou-se e apercebeu-se da situação, dando o alerta para outros automobilistas que iam a passar. Recorde-se que na altura não haviam telemóveis. A visibilidade era fraca mas dava para ver um homem lá no fundo que, olhando para cima e vendo tantas pessoas terrificadas a olhar para ele, bradou:
“-Oh meu Deus! Para o que me havia de dar! Tomar banho a esta hora! Onde estará o raio da bicicleta!? E o cão? ‘Pilante’… hó ‘Pilante!!...” Depois olhou para cima e disse para os 'mirones': “-Não venham cá abaixo! A água está muito fria!... Oh meu Deus!”
Conseguiram retirá-lo do rio e, mesmo antes da chegada dos socorros, o automobilista levou-o ao hospital. Fiel testemunha do que se passou, disse que foi, efectivamente, o cão que o ‘chamou’, uivando longamente. E que já no hospital verificaram que tinha um braço partido, duas ou três costelas deslocadas e zonas ensanguentadas por todo o corpo. Ainda assim – conta a nossa testemunha – mesmo na adversidade, e quando o médico lhe observou que, naquela queda, tinha tido muita sorte – o Paulino retorquiu: “-Oh meu Deus! A minha sorte foi ter aberto o para-quedas a tempo!!”
O carro-de-mão
Num sábado de agosto, pela hora do jantar, passa o Paulino pela ‘Caravela’ com um usado e ferrugento carro-de-mão carregado de estrume. Fala com um: “-Olha o Sr. Engenheiro! Parece que está chateado! Mude de praia!”. E fala com outro: “-Olha o sr. doutor! – e aponta para o adubo – E então não vai um aperitivo!?”
E continua o seu caminho com uma desfaçatez impressionante. Atravessa os três ‘piços’ (outra vez!...) que impediam naquele tempo o trânsito no Bairro Novo e começa a atravessar, nas calmas, a estrada em frente ao Grande Casino Peninsular. Um polícia interpela-o: “-Oiça lá, não sabe que não se pode atravessar aqui com carripanas dessas? Ainda por cima com estrume!?...”
“-Oh Sr. guarda! Oh meu Deus! Não me diga que agora me vai multar por excesso de velocidade!...”
O coxo
Numa das suas habituais deambulações pelo Bairro Novo deu de caras, um dia, com um coxo. Coxeava pelo passeio do ‘Casino Oceano’. Chocado pela visível enfermidade do visado, decidiu aconselhá-lo:
“-Oh meu Deus!” – fungou e passou, atrapalhado, a mão várias vezes pelo nariz – “-Olhe que você não coxeava tanto se andasse com o pé mais curto em cima do passeio e o outro na valeta!...”
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Não se podia dizer que o Paulino vivia da caridade pública. À parte de este ou aquele lhe ‘emprestadar’ umas coroas, e muitos outros o convidarem para um tinto e um pastel de bacalhau, ele trabalhava para ganhar o ‘seu’ e não era pouco. Ia para a lota logo de manhãzinha ajudar nas cargas e descargas do pescado, fazer um serviço ao mestre, auxiliar o pescador… e o seu ordenado era o que lhe quisessem dar, desde uns escudos a uns bem pesados quilos de pescado que depois vendia.
A doença
De maneira que, um belo dia, andava o Paulino a dizer a toda a gente que se arranjasse umas coroas era ótimo porque tinha qualquer coisa nos pés que não o deixava andar. E coxeava visivelmente (talvez até com algum exagero) para melhor demonstrar o seu ‘terrível’ mal. O pessoal amigo, condoído, até lhe dava umas maquias extras.
“-Oh sr. doutor!... obrigado. E que Deus lhe pague que eu não tenho troco! E que amanhã eu lhe agradeça de novo!...”
Alguém houve, no entanto, que lhe deu mais vinte ‘paus’ para as mãos mas que indagou:
“-Mas afinal, ò Paulino, qual é mesmo a doença que tens nos pés!?”
“-Oh sr. engenheiro, é… é a doença do alcatrão!!"
“-Do alcatrão!!!?”
“-Pois, sr. engenheiro, quer ver? Olhe aqui…”- sentou-se e levantou os dois pés, calçados com uns sapatos mas… sem meias solas! Ou seja andava descalço mas não se via!! – “-O alcatrão deu-me cabo das meias solas e agora quero ver se compro uns sapatos novos!!”
Parque-Cine 1
Estava o Parque-Cine apinhado.
Cinema de velhas tradições, orgulhava-se de apresentar não só os melhores filmes mas também o que havia de melhor em teatro, revista ou arte.
A fita que estava a decorrer desiludia. Era um ‘barrete’. As bocas pela plateia já bocejavam de enfado. O Paulino olhava, aborrecido, para o teto e para as paredes. Depois, do seu lugar no balcão central, olhou para baixo para as cadeiras. E murmurou a meia voz, mas que se ouviu extremamente bem devido ao profundo silêncio que imperava na ampla sala:
“-Ora deixa cá contar quantas carecas estão na plateia!...”
Risada geral. Foi o 'que salvou' aquela 'chata' sessão!
Parque-Cine 2
Desta feita era uma grande companhia teatral que atuava na Figueira. Teatro declamado, uns laivos de ópera e música sinfónica à mistura.
Um drama pungente!
O silêncio na sala era de respeito total. As lágrimas afloravam aos olhos das senhoras. As pessoas seguiam avidamente o que se passava no palco. Um conhecido ator declamava na altura:
“-…estou angustiado!... tenho fome de amor!... tenho fome de carinho!... oh, como tenho fome…”
De lá de cima bradou, subitamente, o Paulino:
“-É pá, então toma lá umas peviditas!...”
O vento
Encontrava-se na Casa Arnaldo às voltas com um tintol.
Na rua chuviscava. O vento era fortíssimo.
“-Oh sr. doutor” – exclamou ele para o sr. Arnaldo, o proprietário da então afamada tasquinha do Bairro Novo – “-Está um tempo dos diabos!”
Ninguém podia deixar de concordar. Era hora de jantar e estavam todos a regressar a casa.
“-Bem…” – volveu o Paulino olhando para o pulso sem relógio – “-…já são horas de ir para o meu quarto no Grande Hotel. É que está-se a levantar um ‘oeste-farweste’ desgraçado!...”
Com os copos
Quando o autor compilou estas histórias procurou ir sempre ao fundo de cada uma, tentando isolar as que eram verdade daquelas que eram, tão somente, anedotas que punham na boca e nas acções dele. Foram ouvidas dezenas de pessoas entre pescadores, homens da lota, vizinhos, senhoras que o ajudavam, novos, idosos… e até tentámos falar várias vezes com o Paulino para que ele próprio nos relatasse algumas das suas histórias… mas foi completamente impossível! Ele estava sempre aéreo! Etilizado!! Um dia atirámos-lhe, exasperados:
“-Oh Paulino, assim sempre com os copos não consigo fazer nada!!”
“-Oh meu Deus! Oh sr. doutor, deixe lá, pode cá vir quando não estiver nesse estado que eu atendo-o na mesma!...”
A doença
De maneira que, um belo dia, andava o Paulino a dizer a toda a gente que se arranjasse umas coroas era ótimo porque tinha qualquer coisa nos pés que não o deixava andar. E coxeava visivelmente (talvez até com algum exagero) para melhor demonstrar o seu ‘terrível’ mal. O pessoal amigo, condoído, até lhe dava umas maquias extras.
“-Oh sr. doutor!... obrigado. E que Deus lhe pague que eu não tenho troco! E que amanhã eu lhe agradeça de novo!...”
Alguém houve, no entanto, que lhe deu mais vinte ‘paus’ para as mãos mas que indagou:
“-Mas afinal, ò Paulino, qual é mesmo a doença que tens nos pés!?”
“-Oh sr. engenheiro, é… é a doença do alcatrão!!"
“-Do alcatrão!!!?”
“-Pois, sr. engenheiro, quer ver? Olhe aqui…”- sentou-se e levantou os dois pés, calçados com uns sapatos mas… sem meias solas! Ou seja andava descalço mas não se via!! – “-O alcatrão deu-me cabo das meias solas e agora quero ver se compro uns sapatos novos!!”
Parque-Cine 1
Estava o Parque-Cine apinhado.
Cinema de velhas tradições, orgulhava-se de apresentar não só os melhores filmes mas também o que havia de melhor em teatro, revista ou arte.
A fita que estava a decorrer desiludia. Era um ‘barrete’. As bocas pela plateia já bocejavam de enfado. O Paulino olhava, aborrecido, para o teto e para as paredes. Depois, do seu lugar no balcão central, olhou para baixo para as cadeiras. E murmurou a meia voz, mas que se ouviu extremamente bem devido ao profundo silêncio que imperava na ampla sala:
“-Ora deixa cá contar quantas carecas estão na plateia!...”
Risada geral. Foi o 'que salvou' aquela 'chata' sessão!
Parque-Cine 2
Desta feita era uma grande companhia teatral que atuava na Figueira. Teatro declamado, uns laivos de ópera e música sinfónica à mistura.
Um drama pungente!
O silêncio na sala era de respeito total. As lágrimas afloravam aos olhos das senhoras. As pessoas seguiam avidamente o que se passava no palco. Um conhecido ator declamava na altura:
“-…estou angustiado!... tenho fome de amor!... tenho fome de carinho!... oh, como tenho fome…”
De lá de cima bradou, subitamente, o Paulino:
“-É pá, então toma lá umas peviditas!...”
O vento
Encontrava-se na Casa Arnaldo às voltas com um tintol.
Na rua chuviscava. O vento era fortíssimo.
“-Oh sr. doutor” – exclamou ele para o sr. Arnaldo, o proprietário da então afamada tasquinha do Bairro Novo – “-Está um tempo dos diabos!”
Ninguém podia deixar de concordar. Era hora de jantar e estavam todos a regressar a casa.
“-Bem…” – volveu o Paulino olhando para o pulso sem relógio – “-…já são horas de ir para o meu quarto no Grande Hotel. É que está-se a levantar um ‘oeste-farweste’ desgraçado!...”
Com os copos
Quando o autor compilou estas histórias procurou ir sempre ao fundo de cada uma, tentando isolar as que eram verdade daquelas que eram, tão somente, anedotas que punham na boca e nas acções dele. Foram ouvidas dezenas de pessoas entre pescadores, homens da lota, vizinhos, senhoras que o ajudavam, novos, idosos… e até tentámos falar várias vezes com o Paulino para que ele próprio nos relatasse algumas das suas histórias… mas foi completamente impossível! Ele estava sempre aéreo! Etilizado!! Um dia atirámos-lhe, exasperados:
“-Oh Paulino, assim sempre com os copos não consigo fazer nada!!”
“-Oh meu Deus! Oh sr. doutor, deixe lá, pode cá vir quando não estiver nesse estado que eu atendo-o na mesma!...”
O taco de bilhar
O Paulino, já bem alegre, ia para sua casa (um pobre barracão) ali perto do Palácio Sotto Mayor. Só que, num dos variados 'esses' que a bicicleta ia executando, o nosso homem ‘embica’ por uma das ladeiras que dão acesso às Abadias e… aí vai ele desgovernado, a alta velocidade, tentando travar e não conseguindo, sujeito a partir um braço ou uma perna ou mesmo a acontecer-lhe algo pior.
Lá deu um safanão ao guiador ocasionando que embatesse violentamente num passeio e que fosse projectado por cima de uma sebe, indo estatelar-se no jardim de uma vivenda de um conhecido arquitecto figueirense. Era já noite, e a esposa do arquitecto, que se encontrava na cozinha, ao ouvir o barulho, foi ver o que era… e no lusco-fusco só viu um maltrapilho a levantar-se do chão com os braços no ar… e assustou-se, gritando pelo marido. Este apareceu e, talvez julgando tratar-se dum assalto, vinha ‘armado’ de uma vassoura para afugentar o ‘perigoso’ assaltante. Ao que o Paulino exclamou:
“-Oh meu Deus! Oh sôr arquiteto! Então onde é que vai a esta hora com o taco!? Jogar bilhar!?”
Guiness-book
Certa vez organizou-se à volta do Coliseu Figueirense uma prova de resistência em bicicleta, tentando os participantes – entre os quais se encontrava um colombiano – bater o recorde nacional de permanência em cima do selim. E se ‘a coisa’ se proporcionasse, até mesmo tentar bater o recorde mundial.
Estas provas repetiram-se mais duas ou três vezes noutros tantos verões, isto nas décadas de sessenta e setenta do século passado.
Mas desta vez lá foram os participantes desistindo exceto o colombiano que se via estar numa forma física e anímica extraordinárias.
Mas eis que, na última noite em que teria de aguentar até bater o recorde, surgiu o Paulino, que começou também a competir com o colombiano a pedalar à volta do coliseu com a sua bicicleta. De lembrar que era uma prova de resistência em cima do selim, não uma prova de velocidade. Ora o Paulino achava que ele pedalava lento de mais, e resolveu incentivá-lo:
“-Vá, força, mais depressa! Olha aqui como se faz!” E dava o exemplo dando uma pedalada mais forte, mas o colombiano não lhe ligava nenhuma.
“-Vá, ânimo! Isso é falta de um tinto! Vamos ali ao Zé d’Alhada!? Olhe ali todos a bater palmas! Quer trocar a bicicleta pela minha que é mais rápida? Não tem é marcha atrás mas também não é preciso!” – Mas o colombiano, ‘moita-carrasco!”
“-…é que assim até eu lhe vou ganhar! Vai uma corrida!? Um tinto é que era! Vamos lá!? É pena isso não ter motor. Mas não vai mesmo um tinto!?”
Até que, vendo que não tinha companhia, foi beber um copo (ou mais!) sozinho.
Regressou minutos depois visivelmente mais bem alegre!
“-Olha o artista ainda está para aqui às voltas! Este é dos fortes, é cá dos meus! Ora venha daí um abraço!!”
E foi-se ao colombiano para lhe dar um abraço, mas tão desastradamente que… caiu tudo, minha gente: os dois no chão, uma confusão de pernas, braços, poeira, rodas da bicicleta, gritos…
O Paulino ficou impávido e sereno a sacudir a roupa e a dizer que com um copo de tinto ‘aquilo’ passava.
O colombiano dizem que só acordou no hospital.
A tartaruga
Mas o nosso artista teve alguns episódios um pouco mais radicais.
Há largas dezenas de anos o jardim tinha um tanque com tartarugas. O Paulino achou imensa piada a uma tartaruga adulta que por ali andava, e cutucou-a. O bicho metu logo a cabeça para dentro. Agora imaginem a aflição do Paulino.
“-…então mas…oh meu Deus!! Onde é que ela meteu a cabeça!?” – E pôs-se a espreitar lá para dentro. “-…o raio da cabeça… mas onde (!?)…”
Meteu um dedo dentro da cavidade da cabeça da tartaruga e esta, claro está, deu-lhe uma mordidela que, diz quem viu, lhe ia mesmo arrancando o dedo!
Ah! Paulino duma figa! Irritado e cheio de dores, puxou de uma navalha e deu três ou quatro golpes no bicho! Está bem que a carcaça aguentou os golpes, mas um foi à carne o que lhe ocasionou um pequeno sangramento.
“-Ah, bandida!...”- primeiro bradou, enchendo o peito de ar como ele via nos os guerreiros fazerem nos filmes do Parque Cine. Mas depois ao ver o sangue, afligiu-se e murmurou: “-Ai coitadinha!...” – e saiu dali a dizer que ia chamar os bombeiros.
Nunca mais ninguém o viu.
Um poema
Uma das vezes que o contactámos perguntámos se tinha a certeza de ter nascido mesmo na tal já desaparecida esquina da Raposeira, ao que ele respondeu que até tinha feito ‘um verso’ à esquina. Claro que nos apressámos a tomar nota:
Nasci em Buarcos
Na esquina da Raposeira
Tanto andei c’os meus sapatos
Que vim parar à Figueira.
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Tem o Paulino algumas histórias com condutores e seus carros avariados. Foram-nos contadas como sendo verídicas. Não o podemos comprovar, como é óbvio, por isso nestes artigos contamos as duas ou três que apurámos ser as mais verdadeiras.
A viagem
Ora certa vez estava o nosso homem na rua do Viso quando se lhe deparou um automobilista às voltas com o motor do seu carro. Puxava dum fio, apertava um parafuso, barafustava com o óleo.
“-Raios!” – murmurou o irritado condutor. – “-E agora como é que irei para casa!? Sim, como é que vou para casa!? Vai ser lindo, vai…”
O Paulino passava a pé, nesse momento, e ouviu os desabafos.
“-Oh meu Deus! O senhor doutor desculpe, mas se quiser eu dou-lhe boleia!”
O homem ainda lutou arduamente durante mais uns minutos com o tal abominável motor. Nada feito! Declarou-se vencido pela tecnologia. E pensava que o Paulino tinha um carro.
“-Pronto!... e agora… ó, ó amigo! Já agora que me ofereceu boleia, podia-me levar lá abaixo à Praça dos Táxis? Eu pago-lhe o transporte!..."
“-Oh meu Deus, oh senhor doutor, com certeza. Ora venha daí comigo!”
E lá foram a pé por entre os prédios junto ao ciclo, até à sua barraca. Foi lá dentro e saiu com a sua bicicleta a reboque:
“-Pronto, oh doutor! Sente-se aí atrás, que eu vou à frente a conduzir! Vai ser num instante!...”
Bicos de papagaio
Esta será uma das mais famosas do Paulino.
Bairro Novo, cerca da uma hora da madrugada de um impreciso dia de maio. Um certo movimento de pessoas na rua a condizer com o tempo ameno. Um automóvel empanado, mais um condutor aflito.
O Paulino aproximou-se do carro e indagou:
“-Está avariado?”
“-Está sim!...” – retorquiu o homem, perguntando esperançado: “-O senhor é mecânico?”
“-Oh meu Deus!... meu amigo, saia daí…” – e afastou para o lado o agora esperançado automobilista – “-…deixe-me ver o que é que se passa!”
E pôs-se a olhar, meditando, para o emaranhado dos fios do motor. Mexeu neste e naquele enquanto ia soltando umas inaudíveis imprecações. “-Ora gaita!... será aqui!?... mas… o que é isto!?... Ah! Pois!...”
Passado um escasso minuto afastou-se do automóvel visivelmente satisfeito e sacudindo as mãos. Exclamou:
“-Pronto, já sei!”
“-O quê!? Já sabe!?” – perguntou o automobilista esperançado. “-Já está arranjado!?”
“-Não, já sei o que é! O que o carro tem é bicos de papagaio!”
Futebol
Certo dia daqueles anos áureos do Paulino, foi este ver um jogo de futebol entre a Naval e uma qualquer outra equipa.
Entrava à borla, mas naquele dia o porteiro não o queria deixar entrar com a bicicleta.
“-Oh Paulino, podes entrar mas a bicicleta não!”
“-Oh meu Deus! Mas tem que ser! Eu sou o apanha-bolas e como estou sozinho não posso ir a pé pelo campo todo!...”
A casa dos papagaios
Certo dia chega o Paulino à ‘Casa dos Papagaios’ situada no edifício do mercado, tira o boné, limpa o suor da testa, ajeita o fato, esfrega as mãos, olha para a sala cheia de gente e exclama para o balcão:
“-Oh ‘Jaquim’! Dá aí uma grade de cervejas!”
O sr. Joaquim, na altura o dono desta famosa casa de petiscos, apesar de assoberbado de trabalho visto ter todas as cadeiras e mesas ocupadas, ainda lhe perguntou, meio a sério meio a brincar:
“-Das brancas ou das pretas!?”
“-Ora, tanto faz” – retorquiu o Paulino – “-É só para me sentar!”
Pão e vinho
E conta-se também que certo dia chegou um sujeito a esta casa e pediu dois pães, um com chouriço e o outro simples. Comeu o de chouriço, pagou, e levou o simples, esclarecendo:
“-Este é para as pombas do jardim, coitadas, sempre cheias de fome!”
E saiu.
O Paulino, a um canto assistia a tudo isto.
Passados uns largos minutos levantou-se, dirigiu-se ao balcão e pediu ao ‘Jaquim’ dois tintos, um deles ‘traçado’.
“-Este vai ser para as pombas do jardim. Coitadas, sempre a comerem pão devem estar com uma sede danada!”
A viagem
Ora certa vez estava o nosso homem na rua do Viso quando se lhe deparou um automobilista às voltas com o motor do seu carro. Puxava dum fio, apertava um parafuso, barafustava com o óleo.
“-Raios!” – murmurou o irritado condutor. – “-E agora como é que irei para casa!? Sim, como é que vou para casa!? Vai ser lindo, vai…”
O Paulino passava a pé, nesse momento, e ouviu os desabafos.
“-Oh meu Deus! O senhor doutor desculpe, mas se quiser eu dou-lhe boleia!”
O homem ainda lutou arduamente durante mais uns minutos com o tal abominável motor. Nada feito! Declarou-se vencido pela tecnologia. E pensava que o Paulino tinha um carro.
“-Pronto!... e agora… ó, ó amigo! Já agora que me ofereceu boleia, podia-me levar lá abaixo à Praça dos Táxis? Eu pago-lhe o transporte!..."
“-Oh meu Deus, oh senhor doutor, com certeza. Ora venha daí comigo!”
E lá foram a pé por entre os prédios junto ao ciclo, até à sua barraca. Foi lá dentro e saiu com a sua bicicleta a reboque:
“-Pronto, oh doutor! Sente-se aí atrás, que eu vou à frente a conduzir! Vai ser num instante!...”
Bicos de papagaio
Esta será uma das mais famosas do Paulino.
Bairro Novo, cerca da uma hora da madrugada de um impreciso dia de maio. Um certo movimento de pessoas na rua a condizer com o tempo ameno. Um automóvel empanado, mais um condutor aflito.
O Paulino aproximou-se do carro e indagou:
“-Está avariado?”
“-Está sim!...” – retorquiu o homem, perguntando esperançado: “-O senhor é mecânico?”
“-Oh meu Deus!... meu amigo, saia daí…” – e afastou para o lado o agora esperançado automobilista – “-…deixe-me ver o que é que se passa!”
E pôs-se a olhar, meditando, para o emaranhado dos fios do motor. Mexeu neste e naquele enquanto ia soltando umas inaudíveis imprecações. “-Ora gaita!... será aqui!?... mas… o que é isto!?... Ah! Pois!...”
Passado um escasso minuto afastou-se do automóvel visivelmente satisfeito e sacudindo as mãos. Exclamou:
“-Pronto, já sei!”
“-O quê!? Já sabe!?” – perguntou o automobilista esperançado. “-Já está arranjado!?”
“-Não, já sei o que é! O que o carro tem é bicos de papagaio!”
Futebol
Certo dia daqueles anos áureos do Paulino, foi este ver um jogo de futebol entre a Naval e uma qualquer outra equipa.
Entrava à borla, mas naquele dia o porteiro não o queria deixar entrar com a bicicleta.
“-Oh Paulino, podes entrar mas a bicicleta não!”
“-Oh meu Deus! Mas tem que ser! Eu sou o apanha-bolas e como estou sozinho não posso ir a pé pelo campo todo!...”
A casa dos papagaios
Certo dia chega o Paulino à ‘Casa dos Papagaios’ situada no edifício do mercado, tira o boné, limpa o suor da testa, ajeita o fato, esfrega as mãos, olha para a sala cheia de gente e exclama para o balcão:
“-Oh ‘Jaquim’! Dá aí uma grade de cervejas!”
O sr. Joaquim, na altura o dono desta famosa casa de petiscos, apesar de assoberbado de trabalho visto ter todas as cadeiras e mesas ocupadas, ainda lhe perguntou, meio a sério meio a brincar:
“-Das brancas ou das pretas!?”
“-Ora, tanto faz” – retorquiu o Paulino – “-É só para me sentar!”
Pão e vinho
E conta-se também que certo dia chegou um sujeito a esta casa e pediu dois pães, um com chouriço e o outro simples. Comeu o de chouriço, pagou, e levou o simples, esclarecendo:
“-Este é para as pombas do jardim, coitadas, sempre cheias de fome!”
E saiu.
O Paulino, a um canto assistia a tudo isto.
Passados uns largos minutos levantou-se, dirigiu-se ao balcão e pediu ao ‘Jaquim’ dois tintos, um deles ‘traçado’.
“-Este vai ser para as pombas do jardim. Coitadas, sempre a comerem pão devem estar com uma sede danada!”
A buzina
Cá vai mais uma história do Paulino com um carro avariado.
Perto do jardim encontrava-se um sujeito bem apessoado, bem vestido e engravatado a preceito, olhando estarrecido para a ponta de um dedo sujo com uma gota de óleo. A sua ‘bomba’ ali ao lado, automóvel com ‘cara’ de ter custado vários milhares, recusava-se a trabalhar. Tossia, engasgava-se, mas não passava daí. O sujeito olhava para dentro do capô como um boi (passe a alusão) a olhar para um palácio. Mas era visível que o seu cuidado ia todo para o seu vestuário imaculado, não o fosse conspurcar com alguma desprezível partícula de oleosa sujidade.
Eis quando, vindo do jardim, surge a típica figura desengonçada do Paulino, boné a três quartos e uma saca de plástico na mão. Aproximou-se do local do ‘drama’.
“-Então o que é que se passa oh sr. doutor!?”
O sujeito explicou-lhe que não sabia. Que não atinava com a avaria.
“-Oh meu Deus! Deixe isso comigo! Ora vá lá para dentro do carro.”
Ele assim fez, agradecido por lhe ter aparecido alguém a perceber de mecânica.
O Paulino começou com as preparações iniciais: despiu o casaco, dobrou-o e colocou-o cuidadosamente sobre o saco de plástico; arregaçou as mangas; cuspiu e esfregou as mãos; examinou com um olhar superior o potente motor; colocou o boné para trás; e disse para o automobilista:
"-Ora toque aí à buzina!”
Ele tocou estridentemente.
O Paulino baixou as mangas da camisa, apanhou o casaco, desdobrou-o, vestiu-o, colocou de novo o boné a três quartos, pegou no saco de plástico e, antes de continuar caminho, virou-se para o atónito automobilista e arrumou-lhe:
“-Olhe que da buzina não é!”
Bebedeiras
Ía bem alegre o nosso homem naquele dia.
Um policia, ao vê-lo cambalear tanto por entre as pessoas, refilou com ele. Que não devia andar assim senão iria passar uma noite na esquadra.
“-Prefiro dormir no Grande Hotel…” - retorquiu o Paulino.
Nesse momento passou um conhecido engenheiro e antigo vereador da nossa Câmara, também com uma ‘narceja’ de se lhe tirar o chapéu. O policia nada disse. Mas disse o Paulino:
“-Vê, sr. guarda! As bebedeiras são iguais, os fatos é que são diferentes!”
Os ‘cowboys’
Parque-Cine. Um filme de cowboys.
O vilão e o herói socavam-se numa luta sem tréguas. A cena de pugilato durava há já cinco minutos. Cansados, os socos dos dois intervenientes partiam já muito devagarinho, já davam socos na atmosfera, já não acertavam no alvo, já passavam ao lado... e um deles já cambaleava!
Aconselha o Paulino da ‘geral’:
“-Oh pá, vê lá se dás desconto ao vento!...”
Paulino no circo
Era verão e um circo encontrava-se situado junto ao rio.
O homem das facas era um dos artistas mais esperados e apreciados.
Atirava as facas contra um tabique onde se encontrava a sua ‘partner’ e zás, pás! Espetava-lhe quatro facas à esquerda e mais quatro à direita, tão rentes ao corpo que fazia arrepiar a assistência!
Um dia, a moça adoeceu. O artista viu-se, assim, na contingência de solicitar a presença de um voluntário. Mas quem teria a coragem e o sangue frio de encarar as facas voando na sua direcção!?
Quem, sem ser o Paulino, claro está. Destemido, entrou no palco:
“-Oh meu Deus! Vamos lá a isso, desde que não me corte as unhas pois isso faço eu lá em casa!...”
O artista descansou-o e preparou-o, falando em espanhol, mais ou menos assim: “-Non tiengas miedo, qui nada te acontecerá…”
E tudo começou a decorrer pelo melhor. Faca para a esquerda do Paulino, outra para a direita, e assim sucessivamente… mas como o casaco do Paulino era largo, uma das facas furou-lhe o forro e a fazenda.
“-Non te preocupes, io te pago um casaco!”
“-…Tá… tá bem…” - murmurou o Paulino já bem ‘acagaçado’ - “…mas já agora não podes também pagar-me uma lavagem às calças!?”
Porta e tapete
Naquele tempo o Café Nicola inaugurou uma porta automática. Pisava-se o estrado em borracha, a porta abria.
O Paulino ficou eufórico com a descoberta:
“-Olhem aqui: eu piso o tapete e a porta salta!” - e exemplificava!
E depois acrescentou:
“-É como em minha casa. Eu piso o tapete e as traças saltam!”
Um quisto
Um casal ia na rua a conversar.
Dizia ela:
“-Agora custam três contos!…”
Dizia ele:
“-Pois é, três contos é agora o preço médio dum ‘kispo’!”
Diz o Paulino que vinha atrás a ouvir a conversa:
“-Um quisto? Três contos!? Vão ao hospital que fazem isso de borla!”
Conversa fiada
Vai o Paulino de calcorrear, naquele dia, várias ‘capelinhas’ cá do burgo. E se todos os ‘copos’ não lhe fizeram diferença, o último é que lhe caiu mal. Refilou, pastosamente, para o barrigudo dono daquela tasca da zona baixa da cidade:
“-Oh meu Deus! Oh sr. João! Isto é ‘pitrol’ ou quê!? Uff, que má disposição!!”
E saiu, todo empenado e aos ‘esses’…
Chegou à rua, vai para pegar na bicicleta, mas aquela ‘maldita’ parecia estar viva! Ora caía para o lado de cá, ora caía para o lado de lá!
Já exasperado, arrumou-a para o chão e apontou-lhe o indicador, ralhando:
“-Oh meu Deus! Ouve lá, eu farto-me de puxar por ti todos os dias, hoje vê lá se puxas tu por mim!...”
Mestre Zé
Um dia o popular mestre de embarcações de pesca Mestre Zé ‘Garrafinha’ deu de caras com o nosso homem:
“-Oh Paulino, passa por minha casa amanhã que tenho lá um fato que já não uso e ainda está novo… não gosto muito dele!...”
Assim fez. A esposa de Mestre Zé, dona Luísa, já estava avisada e deu-lhe o fato. Ora o Paulino não era cá de ‘modas’, e ainda conseguiu ‘cravar’ uma camisa, alguns pares de meias, sapatos, um cinto, gravatas e dois bonés.
No domingo seguinte vestiu tudo ‘de novo’. Já no Picadeiro encontrou o Mestre Zé:
“-Oh meu Deus! Oh mestre Zé! Ora diga lá quem eu sou!”
“-Quem tu és!? Mas… és o Paulino, ora essa!”
“-Não sou nada! Eu agora sou, mas é, o Mestre Zé!!”
Café Niza
Entrou o Paulino no Café Niza pelas quatro horas da manhã, coisa que fazia habitualmente para esperar pela abertura da lota do peixe grosso, para ver se se orientava com uns ‘peixitos’. Não se importava o Niza que o Paulino por ali vagueasse, mas naquele dia… naquele dia ele estava impossível! Já tinha entrado ‘tocado’, já tinha emborcado mais uns bagaços para aquecer e metia-se com toda a gente:
“-Olha o sr. doutor! Que cara é essa? Veio agora do cemitério!? Oh meu Deus! Olha o Silva! Vai à retrete que estás amarelo, pá! Oh engenheiro: não há dessas calças em azul!? Assim às riscas não gosto!! Eia o Simões! Não pagas um copo!? Não!!? Então paga cá o Paulino! Niza! Hó Niza! Um bagaço para todos que quem paga sou eu… não sei é quando!... ou então deixo cá a bicicleta!...” – E não se calava!
Aquilo cansava, até que o velho Niza viu-se obrigado a metê-lo na rua por uma porta… mas ele entrou logo pela outra!
“-Oh meu Deus, tá frio lá fora!”
Mas continuava ‘chato’ e assim foi posto fora várias vezes, mas outras tantas acabou por entrar. Até que o Niza, já exasperado, pô-lo na rua mais uma vez mas desta ameaçou-o:
“-Olha que se tornares a entrar despejo-te com esta cafeteira de água pela cabeça!”
Um minuto depois, estava-se mesmo a ver, o Paulino voltou a entrar. O Niza, para fazer cumprir a sua palavra, sai de trás do balcão com uma cafeteira cheia de água já no ar mas, desastradamente, escorregou no estrado ao sair do balcão e caiu de costas, virando grande parte da água por cima de si… e então sim, aqui o Paulino resolveu sair de vez, e já na rua virou-se para trás e rematou:
“-Para a próxima vez tem mais cuidado, ó Niza! Olha que tens que pisar com jeitinho!!”
Tomara que chova
Estava o Paulino assistindo a um filme no velho e saudoso Parque-Cine. Era de Verão, cá fora fazia um calor de rachar e ainda por cima o filme decorria no sertão brasileiro, árido, bafiento, sem soprar vento, calor tórrido, calor por todos os lados, na tela e na sala abafada… o público, psicologicamente influenciado, ainda estava mais sedento e encalorado.
De repente, cá de trás, ouve-se trautear na sala aquela famosa área brasileira, entoada pelo Paulino:
“-…tomara qui chova, três dias sem parar!...
Foi uma risota geral e que teve o condão de aplacar o calor e a sede a todos.
Melgas
Entrou o nosso homem numa das várias casas de pasto da nossa cidade. Dia quente e húmido, propício à proliferação de melgas, moscas e mosquitos. O dono da casa espalhava inseticida pelos cantos ao mesmo tempo que, com o jornal, ia dizimando as melgas mais relutantes. Ao ver o Paulino, exclamou:
“-…estas malditas!... Ouve lá, tu lá em casa não tens mosquitos!?”
-“Se eu não tenho mosquitos em casa!!!? Oh meu Deus! Aquilo às vezes até parece um rallye!”
O Inverno é grande
Certo dia, na antiga marisqueira, entrou o Paulino e pediu à empregada uma cerveja e uma sandes de fiambre. O serviço veio para o balcão, e o Paulino lá bebeu a cerveja, deixando um resto da sandes.
Chamou a empregada, empurrou o copo e o que sobrou da sandes, puxou da carteira de onde tirou uma nota de vinte escudos para pagar a despesa que era de quinze escudos (belos tempos) e disse para a empregada:
“-Olhe, guarde o resto!”
Passados uns minutos o Paulino indagou à empregada:
“-Então ouça lá, e o meu troco!?”
“-…mas… mas então o senhor disse para eu ficar com o resto!...”
“-…com o resto da sandes! Dê cá mas é os ‘cinco paus’ que o Inverno é grande!”
A caixa
No passeio junto à Caixa Geral de Depósitos na nossa cidade, o Paulino parou, pôs um saco de plástico no chão e esfregou as mãos. Alguém lhe perguntou:
“-Então, Paulino, o que estás aqui a fazer?”
“-Ora, parei para por o meu dinheiro na caixa.”
“-Mas não sabia que tinhas assim tanto dinheiro!... e além disso a Caixa agora já está fechada!”
“-Não está nada!...” – e tirou umas moedas do bolso, abriu o saco de plástico, tirou de lá de dentro uma caixa de cartão e colocou as moedas lá dentro. “-…está a vêr que não está!?”
O morto
Contaram-nos que o Paulino chegou a trabalhar no hospital… mas só dois dias. O Paulino gostava do seu ‘copito’ mas, já aqui o dissemos, não virava a cara ao trabalho. E foi assim que lhe arranjaram um emprego… na morgue.
Deram-lhe as primeiras instruções no seu primeiro dia de trabalho.
“-O quê!? Oh meu Deus! Fazer-lhe a barba!? Vestir-lhe roupa nova!!? Calçar-lhe os sapatos!!!? Então e se a gente lhe desse antes um copo de tinto para a viagem!?”
Explicaram-lhe que o defunto tinha que estar apresentável no caixão. Bom, ele lá fez, a contragosto o serviço, ainda apareceu no dia seguinte mas depois nunca mais lá pôs os pés.
“-É que gosto de trabalhar com pessoas que também falem para mim!” - Explicou depois.
A constipação
Bateram à porta da barraca do Paulino. Era alguém que ali ia para lhe oferecer umas peças de roupa.
O nosso homem veio até à porta acompanhado do seu cão, o ‘pilante’, que ao tempo ainda era vivo.
Ora todos sabemos que, quer os cães quer os gatos, também espirram e tossem.
Mal abriu a porta, o cão, a seu lado, espirrou:
“-Aaa… aaaaaa… atchooouu!!...”
O Paulino virou-se de repente para ele e ralhou:
-“Vês!? Eu não te disse para não vires descalço para a porta!?”
Chamou a empregada, empurrou o copo e o que sobrou da sandes, puxou da carteira de onde tirou uma nota de vinte escudos para pagar a despesa que era de quinze escudos (belos tempos) e disse para a empregada:
“-Olhe, guarde o resto!”
Passados uns minutos o Paulino indagou à empregada:
“-Então ouça lá, e o meu troco!?”
“-…mas… mas então o senhor disse para eu ficar com o resto!...”
“-…com o resto da sandes! Dê cá mas é os ‘cinco paus’ que o Inverno é grande!”
A caixa
No passeio junto à Caixa Geral de Depósitos na nossa cidade, o Paulino parou, pôs um saco de plástico no chão e esfregou as mãos. Alguém lhe perguntou:
“-Então, Paulino, o que estás aqui a fazer?”
“-Ora, parei para por o meu dinheiro na caixa.”
“-Mas não sabia que tinhas assim tanto dinheiro!... e além disso a Caixa agora já está fechada!”
“-Não está nada!...” – e tirou umas moedas do bolso, abriu o saco de plástico, tirou de lá de dentro uma caixa de cartão e colocou as moedas lá dentro. “-…está a vêr que não está!?”
O morto
Contaram-nos que o Paulino chegou a trabalhar no hospital… mas só dois dias. O Paulino gostava do seu ‘copito’ mas, já aqui o dissemos, não virava a cara ao trabalho. E foi assim que lhe arranjaram um emprego… na morgue.
Deram-lhe as primeiras instruções no seu primeiro dia de trabalho.
“-O quê!? Oh meu Deus! Fazer-lhe a barba!? Vestir-lhe roupa nova!!? Calçar-lhe os sapatos!!!? Então e se a gente lhe desse antes um copo de tinto para a viagem!?”
Explicaram-lhe que o defunto tinha que estar apresentável no caixão. Bom, ele lá fez, a contragosto o serviço, ainda apareceu no dia seguinte mas depois nunca mais lá pôs os pés.
“-É que gosto de trabalhar com pessoas que também falem para mim!” - Explicou depois.
A constipação
Bateram à porta da barraca do Paulino. Era alguém que ali ia para lhe oferecer umas peças de roupa.
O nosso homem veio até à porta acompanhado do seu cão, o ‘pilante’, que ao tempo ainda era vivo.
Ora todos sabemos que, quer os cães quer os gatos, também espirram e tossem.
Mal abriu a porta, o cão, a seu lado, espirrou:
“-Aaa… aaaaaa… atchooouu!!...”
O Paulino virou-se de repente para ele e ralhou:
-“Vês!? Eu não te disse para não vires descalço para a porta!?”