“Uma das coisas que mais marcou a minha vida enquanto homem foi o meu passado enquanto desportista de competição. E avançando lentamente na idade vai-se tornando cada vez mais comum olhar para trás e recordar com nostalgia os momentos especiais.
Ainda pré-adolescente, quase criança, eu sonhava em ser um grande atleta, imitando os Lopes, os Mamedes, os manos Castro da altura. Confesso que tinha o sonho contido de um dia poder ir aos Jogos
Olímpicos. Perseguindo esse sonho ia devorando quilómetros e quilómetros em locais de treino que substituam as discotecas e bares onde talvez (quem sabe!?) me teria perdido por caminhos menos recomendados. Esses locais de treino, outrora quase sagrados, são ainda hoje os meus preferidos entre todos os recantos da nossa bela cidade. A praia, a marginal, a serra, as Abadias e a pista do Estádio Municipal. Em todos eles me sinto, ainda hoje em dia, feliz… menos no último, pois já não existe!
Ainda podemos pisar o local onde era a pista de atletismo da Figueira da Foz, a única que existia, mas que agora está transformada em local de aquecimento e banco de suplementes para os jogos de futebol. O que não mudou muito foi a dificuldade no seu acesso, apesar de ser um local classificado como "municipal" pois, para o conseguir quase que é necessário fazê-lo na clandestinidade. Note-se que foi um empreendimento pago com os nossos impostos e que nada tem de privado!
Já nos meus tempos de jovem atleta confesso que cheguei a ter que saltar o muro para poder ir treinar às escuras, equipando-me ao vento e à chuva, passando uma toalha húmida pelo corpo no final do treino, alternativa ao desejável duche que me esperava em casa mas que distava uma demorada viagem de autocarro. Já nesse tempo a Naval 1º de Maio nos trancava as portas, a autarquia ignorava a nossa paixão e ficávamos, dessa forma, com a sensação de que não nos era legítimo utilizar a pista, o campo, as instalações... hoje sei que não é assim e que o nosso direito não seria menor do que qualquer outro cidadão ou desportista da cidade!
Hoje, e para alguns, apenas faltam 400 metros de circuito em terreno plano com duas retas opostas de pouco mais de 100mts cada uma. Mas eu vejo algo mais. Para mim não são apenas uns simples 400 metros mas sim milhares e milhares de quilómetros corridos e percorridos por outros tantos atletas, novos, velhos, em ritmo de manutenção, por lazer, mas também por verdadeiros campeões que a cidade teima em ignorar mas que ali foram cumprindo rituais de treino diário e solitário. Alguns deles ainda hoje vão representando a nossa seleção, competindo no escalão de veteranos e envergando orgulhosamente as cores da cidade. Outros, mais jovens, continuam a competir no escalão principal, na alta-competição internacional, em nome de Portugal. Nós vêmo-los na televisão e já não nos lembramos deles. Mas acredito que eles se lembrem muito bem de cada pedra, cada buraco, cada desnível do circuito da pista que, apesar de estar sempre muito mal cuidada, amavam, veneravam e com ela partilhavam momentos de esforço quase sobre-humano.
Todos nós a defendíamos e a protegíamos da mesma maneira que o Cristiano Ronaldo faria com a bola que ansiava chutar nos intervalos das aulas ou depois da escola. Não nos sentíamos superiores a eles, mas recordo-me como se fosse hoje que, durante a nossa determinação em treinar debaixo de temporais e intenso frio, assistíamos aos jogadores de futebol retirarem-se para os balneários por falta de condições climatéricas!
Aquela pista produziu de longe mais campeões do que os relvados do mesmo estádio. Não pretendo reclamar para o atletismo a primazia no desporto figueirense, até porque esse lugar pertenceria ao basquetebol, com o remo também em destaque, mas seria bom apercebermo-nos o quanto a cidade tem sido madrasta para com o maior desporto olímpico, o único que nos trouxe medalhas de ouro até hoje.
Compreendo o quanto é importante para a cidade possuirmos um estádio digno de receber as melhores equipas. Visitei há pouco tempo as instalações interiores e fiquei bem impressionado! Para além disso, e nos meus tempos de liceu, aprendi com o ilustre professor João Cação que os clubes modernos e inteligentes construiriam no futuro as suas pistas de atletismo fora do estádio de futebol principal pois não seria desejável misturar ambas as modalidades! Mas também sabemos que a Naval não mandará construir nenhuma pista pois esse imobiliário, efetivamente, nem lhe compete.
É do conhecimento público que está na eminência de ser construído pela autarquia um campo de treinos sintético no lugar daquele que já existe em terra batida. Uma necessidade que se compreende ser do interesse de centenas de crianças que praticam o desporto-rei garantindo, desta forma, condições dignas para a sua prática. Mas isto leva a uma dúvida: Será que esta obra prevê a construção de uma pista de atletismo!?
Gostariam os atletas figueirenses de saber se lhes será devolvida a pista que foi “surripiada” sem lhes terem perguntado absolutamente nada!
Suspeito é que a resposta custará muito a ouvir!... “
(Enviado via email pelo nosso leitor C.R.)